Assembleia da Petrobras emperrada no currículo do general

Por: Irany Tereza, O Estado de S. Paulo
Fonte: Estadão
A assembleia geral extraordinária para referendar a indicação de Joaquim
Silva e Luna como o novo presidente da Petrobras está emperrada numa
exigência básica para o cargo: o currículo do general. Para integrar a
diretoria executiva, o candidato tem de comprovar dez anos de experiência
no setor ou dez anos em cargo semelhante em empresa do mesmo porte,
mesmo que de outro setor. Silva e Luna nunca atuou no mercado de
petróleo. Passou à reserva há quase sete anos, em 2014 e, exatamente
hoje, completa dois anos na presidência de Itaipu Binacional, sua primeira
incursão no universo empresarial.
Na reunião da última terça-feira, o Conselho de Administração da
companhia aprovou a realização da assembleia, mas não definiu a data. O
que se esperava era que, pela urgência da mudança, a AGE fosse marcada
no tempo mínimo exigido: 30 dias após a autorização. O presidente do
conselho, almirante de esquadra Eduardo Leal Ferreira, que até o início do
governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, era o comandante da Marinha,
ficou responsável pela convocação da assembleia. Decidiu esperar o
parecer do Cope, Comitê de Pessoas da Petrobras, que atestará se Silva e
Luna está ou não apto para o cargo.
Vítima recente de um assalto de proporção assombrosa e repercussão
mundial, a Petrobras teve de passar por uma reformulação geral de suas
normas internas depois do escândalo revelado pela Lava Jato. Os critérios
ficaram mais rigorosos, as responsabilidades mais definidas e a fiscalização
mais atenta. Todos os mecanismos foram aprimorados.
O Cope, um dos órgãos de assessoramento de Conselho de Administração,
tem hoje quatro integrantes. Dois são conselheiros: Ruy Schneider, que
preside o comitê, é engenheiro e oficial da reserva da Marinha e representa
o controlador; o advogado Leonardo Pietro Antonelli representa os
minoritários. Os outros dois são membros externos: Sérgio de Toledo Piza,
diretor da Klabin e conselheiro da Oi, e Tales Bertozzo Bronzato, advogado
especialista em direito processual civil.
O comitê tem oito dias para examinar o currículo do candidato, prazo
prorrogável por mais oito dias, se necessário. A indicação de Silva e Luna foi
tornada pública por Bolsonaro há sete dias, via rede social, como é costume
do presidente. Mas, não há informações de que os documentos tenham
sido encaminhados ao Cope, que está com uma batata quente nas mãos.
Como declarar apto o candidato do presidente ao principal cargo executivo
da Petrobras sem infringir o regimento interno e a própria legislação das
estatais, alterados na esteira do escândalo da Petrobras? Os membros do
comitê se sujeitariam a responder pessoalmente pela infração? Como
adequar o currículo de Silva e Luna – que em sua carreira civil já foi,
inclusive, titular do Ministério da Defesa no governo Temer – às exigências
técnicas para a presidência da Petrobras?
Ontem, durante videoconferência com analistas de mercado, na qual
Castello Branco mandou recado a Bolsonaro na icônica camiseta com a
inscrição “mind the gap”, a diretora Financeira e de RI, Andrea Almeida, deu
a dica, ao lembrar que ela mesma teve de comprovar dez anos de
experiência na área. Enquanto isso, em Foz do Iguaçu, em evento ao lado
de Silva e Luna, Bolsonaro novamente criticava a Petrobras e anunciava o
início de “uma nova dinâmica” na companhia. As ações da estatal, que
começavam a ensaiar uma leve recuperação depois do resultado positivo
do quarto trimestre de 2020, voltaram a cair.
Na Petrobras, segundo fontes ouvidas pela Coluna, a atitude do presidente
Bolsonaro é vista como um caso único, “uma neurose” de um representante
da União falando contra uma empresa da qual a União é controladora e a
maior perdedora com essa saraivada de declarações sem sentido. No
sábado passado, conselheiros e diretores realmente cogitaram entregar
seus cargos, numa revolta geral não à decisão de substituição em si, mas à
forma como o presidente da República depreciou o trabalho de todos.
Antes mesmo de o Conselho de Administração pedir explicações, a diretoria
de Relações com Investidores já havia enviado ao Ministério de Minas e
Energia uma mensagem solicitando esclarecimentos sobre os “erros de
condução” que o representante da União apontava na empresa. A
Eletrobras, aliás, adotou o mesmo procedimento. Não há indicação de
respostas do governo. Executivos e conselheiros decidiram, afinal,
permanecer, ao menos até a transição, para evitar que a empresa ficasse à
deriva.
Na assembleia, ainda sem data, para a substituição de Castello Branco por
Luna e Silva no Conselho e, posteriormente, na presidência executiva, serão
também afastados os sete conselheiros eleitos pelo chamado voto múltiplo
(seis indicados pelo acionista controlador e um pelos minoritários). Os três
restantes, a indicada pelos empregados e os dois que representam
detentores de ações preferenciais e ordinárias, permanecem no cargo. No
conselho, segundo apurou a Coluna, é dado como certo que a recondução
dos afastados não seja imediata. O mais provável e que seja pedida uma
nova votação, o que deve tornar a assembleia mais complexa e demorada.
De qualquer forma, há um consenso no comando que a empresa deve
adotar a conduta “by the book”, ou seja, vale o que está escrito. A intenção
é fazer cumprir as salvaguardas que existem no estatuto, na Lei das Estatais,
nos regulamentos internos, em relação à governança corporativa. A
assembleia será soberana na decisão. Quando irá acontecer? Ninguém
sabe.